sábado, 23 de maio de 2015

São Romero da América

Lembranças na festa dos/as pobres e pequeninos/as,
Romero com os/as pobres nos altares...
por : Luis Duarte 

“Se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será em breve uma realidade...”
São Romero da América
Na festa dos/as pobres e pequeninos/as, dos torturados/as e perseguidos/as, o desejo é estar em El Salvador. É que os/as pobres desse Continente se alegram lá na beatificação de São Oscar Romero da América. Dia como esse não pode passar sem algumas palavras ditas e rezadas.
1. Lembrei-me de Maria, confessando sua fé no Deus, que derruba os poderosos de seu trono (Lc 1, 52). A beatificação de Romero é sinal concreto e palpável dessa atuação do Deus da vida em favor dos/as pequeninos. Com Romero sobem aos altares os/as pobres de nosso Continente. Sobem aos altares os/as perseguidos/as, torturados/as, silenciados/as. É a derrota dos poderosos que mataram tantos/as pobres e a Romero, muitas vezes, em nome de Deus, movidos por “valores cristãos”. É a derrota de uma Igreja rica, de ricos para ricos. É a derrota de uma Igreja fechada em si. A vida de Romero e seu pastoreio é a expressão de uma “Igreja que às vezes é acidentada, ferida e enlameada, mas que saiu pelas estradas ao encontro dos pobres” (Alegria do Evangelho, 49). Romero nos altares é a vitória de uma Igreja pobre para os pobres. É a vitória de uma Igreja martirial, samaritana.
2. Lembrei-me que todos/as nós precisamos converter-nos na direção dos/as pobres, os/as preferidos/as de Deus. Não podemos esquecer-nos que Romero se converteu aos pobres. Não podemos esquecer-nos que no meio das dores e dos sofrimentos do povo, ele foi entendendo que a fidelidade a Jesus e ao seu projeto, o Reino do Pai, exigia dele e exige de todos/as nós um compromisso radical com a vida, com os pobres. Romero descobriu, e oxalá todos/as descubramos, que “a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros” (Documento de Aparecida 360). Não é por acaso, que ele reconhece que “o Evangelho me impulsiona a defender meu povo” (das homilias de Romero). E para defender os pobres e pequeninos é preciso estar “disposto a ir aos tribunais, ao cárcere e à morte” e “seguir o mesmo destino dos pobres” (das homilias de Romero). É que Romero conseguiu fazer da Boa-Nova de Jesus carne em sua vida. “Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente” (Jo 10, 13). Eis uma graça que peço a mim, e a todos/as nós.
3. Lembrei-me da Eucaristia. Das Eucaristias que celebramos em nossas Comunidades, mas da Eucaristia que somos chamados/as a ser na vida, doação e fidelidade, amor até o fim (Jo 13, 1). É simbólico e profético que a morte de Romero tenha se dado quando ele celebrava a Eucaristia. No altar, ele colocava os/as pequeninos/as e dava-lhes o direito de voz. Comungava com suas dores. Comungava com Jesus e sua causa. Cada eucaristia era como a ceia de Jesus. Uma ceia dos lascados e oprimidos. Uma ceia que torna real uma vida feita Eucaristia, entrega radical e sem medo. Fico pensando nos/as pobres que iam a uma celebração presidida por Romero e ali escutavam os nomes dos desaparecidos, o clamor para que a violência e a morte chegasse ao fim. Fico pensando nesses rostos concretos. Ficam em mim as lágrimas, porque essas eucaristias eram, e as nossas são chamadas a serem, celebração da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus em nossas vidas e de nossas vidas, paixões, dores, mortes e ressurreição em Jesus, movendo nossas vidas na causa dos pobres.
4. Fico pensando no que significa memória. A memória de Romero, pela sua vida e entrega, nunca se perdeu. A memória de Jesus é celebrada dia após dia, no encontro dos pobres, movidos pela fé no Reino. Nesses tempos muitos querem negar nossas histórias e memórias. O mesmo tentaram e tentarão alguns fazer com Romero, não duvidemos disso. Fico ainda me perguntando por que a memória de Jesus até hoje nos mobiliza? Porque os/as pobres de toda nossa América Latina insistiram durante anos nas romarias dos mártires? Porque a memória de Romero não se perdeu? É que uma vida entregue jamais cairá no esquecimento. Ninguém será lembrado por autoritarismo, por imposição. O que eterniza uma vida é a paixão (o amor e a entrega, mesmo com dores) com que se viveu. Só a profecia de uma vida doada até o extremo eterniza uma pessoa. Ser cristão é alimentar-se de memória, de memória perigosa porque nos compromete e envia. É que não podemos ser profetas e profetizas se não temos memória. À medida que perdemos a memória, perdemos a profecia.
5. Fico ainda pensando na esperança. A falta de esperança é heresia! Romero subindo aos altares com os/as pobres de nosso Continente é a certeza de que é preciso teimar na esperança. É envio para uma vida que seja Eucaristia, entrega radical e profunda, num compromisso que nos mova até as últimas consequências. É esperança se abrindo em profecia, memória e causa.
Com Romero sobem aos altares os/as pobres e perseguidos/as, os/as torturados/as e pequeninos/as. Dia de esperança e profecia. Dia de memória e compromisso. Dia de Eucaristia. Dia de abraçar radicalmente a causa dos pobres. Que essa graça seja concedida a mim e a nós. Não fujamos da doação radical, sempre com esperança. Que Romero nos ajude a sermos fiéis no seguimento a Jesus. Que Romero nos ajude a sermos fiéis na opção pelos/as pobres. Que Romero nos envie. Amém.

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